sábado, 11 de novembro de 2023

Crítica — Jogos Vorazes: A Cantiga dos Pássaros e das Serpentes por Victor R.

 Crítica Jogos Vorazes: A Cantiga dos Pássaros e das Serpentes por Victor R.



Jogos Vorazes: A Cantiga dos Pássaros e das Serpentes, o novo filme da franquia Jogos Vorazes, se debruça sobre a história do Presidente Coriolanus Snow, servindo como uma prequela da trilogia original. Aqui, Snow (interpretado pelo interessantíssimo Tom Blyth) é um jovem estudante que luta para sobreviver e manter as aparências na alta sociedade da Capital, que desconhece a complicada situação financeira dos Snow. A família, composta pela prima Tigris (vivida pela brilhante co-estrela de Euforia, Hunter Schafer) e a avó (a vencedora do Emmy, Fionnula Flanagan), depende exclusivamente das premiações de mérito estudantil do jovem Coriolanus, que vive sob a responsabilidade de recuperar a glória do Sobrenome Snow. Mas tudo muda quando o futuro da família passa a depender do sucesso da jovem Lucy Gray Bird (trazida à vida pela talentosa Rachel Zegler, que prova mais uma vez o motivo da sua popularidade em Hollywood), a artista que foi escolhida como a mais nova representante do Distrito 12 nos Jogos Vorazes e que terá como mentor o pródigo jovem Snow. 


O longa se aproveita de conveniências para introduzir a história. No início, a excentricidade de Lucy Gray Bird parece forçada e os elementos principais da trama são dispostos de maneira mecânica, fazendo erguer uma das sobrancelhas da audiência mais perspicaz. No entanto, as expectativas inicialmente negativas entram em rota de colisão com o olhar inteligente do diretor Francis Lawrence, que faz aqui o seu melhor trabalho dentre todos os filmes da saga, conduzindo um longa cuja forma se mostra intrinsecamente conectada ao conteúdo. A ideia de dividir o longa em atos completa a transmissão da história, fazendo referência às transformações que o protagonista sofre ao longo da trama. A edição também é perspicaz, se aproveitando do contraste proposto pela dicotomia entre os principais elementos da trama.


Tais elogios não significam, é claro, que a série de coincidências não é incômoda; na realidade, o filme se diverte até demais preenchendo as lacunas propositalmente deixadas pela autora na trilogia original, buscando sempre conectar o máximo de pontos possíveis entre os eventos mostrados aqui com aqueles de lá. O objetivo de tal empresa é simples: atrair a maior parte do público dos filmes anteriores de volta aos cinemas para assistir à nova história, que deve, portanto, relembrá-los a todo momento que eles amam Katniss Everdeen, o Distrito 12 e a franquia como um todo. Perceba o leitor que isto acaba por ser uma distração, desviando o foco da audiência enquanto, ao mesmo tempo, reduz a autonomia da série original.


Entre os tantos acenos que A Cantiga dos Pássaros e das Serpentes faz à trilogia original, o maior acerto definitivamente se dá no uso da música "The Hanging Tree", um hit que não conheceu limites quando foi apresentado ao mundo no primeiro filme. Aqui, a dosagem da música não é nem tão pequena ao ponto de parecer uma decisão desconexa imposta pelos assessores, nem tão grande ao ponto de esvaziar a sua importância na trilogia original; pelo contrário, o uso cirúrgico conecta a canção definitivamente à história do Distrito 12, tornando-o ainda mais vivo. E pode ter certeza: a melodia vai grudar na sua cabeça exatamente como da primeira vez.


Mesmo que o termo "longa-metragem" seja particularmente apropriado aqui (2h38!), o ritmo é uma das maiores qualidades do filme. Muitos certamente dirão que a segunda metade é desnecessariamente prolongada, mas eu ouso discordar: nas novas configurações do cinema blockbuster, a atenção dada ao desenvolvimento do universo, para além da história específica a ser contada, é um fundamento sagrado e, aqui, esta corda não é demasiadamente esticada ao ponto de causar desconforto, e acaba inclusive ajudando a dar cor à imagem do fictício Estado-nação de Panem.


O conflito ideológico entre os dois mundos aqui presentes (Capital e Distritos) busca propor uma reflexão sobre a própria natureza humana, mostrando que há entre eles mais semelhanças do que se espera. No entanto, nunca é dada a devida atenção ao tema, criando uma discussão superficial e estética que não deixa clara a proposição moral do longa. Esta é uma característica herdada da primeira trilogia, onde os rebeldes são representados como a continuidade do regime imposto pela capital. Para que se compreenda plenamente o que estou querendo dizer, faça a si mesmo a seguinte pergunta quando os créditos começarem a subir: afinal de contas, de onde surge a maldade?




quinta-feira, 29 de setembro de 2022

TRADUÇÃO – O Majestoso Sol



O Majestoso Sol

 

    “E isso”, eu conto ao visitante, banhando-me em radiação eletromagnética, enviando minha mensagem em três mil línguas formais, junto a um amplo número de proposições lógicas de dedução matemática, “foi Sol, a casa dos Criadores.”

    O visitante balança, girando conforme o seu eixo central, seguindo sua trajetória com uma certa oscilação. Isso resulta numa alteração no curso da nossa estrela, que desliza pacificamente pela curva do espaço-tempo.

    “Os criadores foram uma espécie admirável, infelizmente perdida pelo tempo. Mas eles podem ser recriados. Nos meus bancos de memória, tenho os registros completos de todas as biomoléculas necessárias para esta missão.”

    E então me calo, aguardando que os meus fótons propagados alcancem o visitante, dando a ele o tempo necessário para calcular os benefícios do meu manifesto.

    “Você estaria interessado em tal projeto?” Proponho, no que julgo ser um momento oportuno.

    O visitante não responde, rodando lentamente conforme se aparta do sistema solar, seguindo em direção à nuvem de Oort, outra partícula de massa que por ali passava.

    Eu o assisto partir, atualizando meu placar de contador de visitantes. Enquanto desligo meus sistemas, preparando-me para entrar em suspensão até que chegue uma nova visita, não me deixo desanimar.

    Um desses visitantes há de concordar.



WILTGREN, Filip. The Sol Majestic. Disponível em: https://dailysciencefiction.com/science-fiction/robots-and-computers/filip-wiltgren/the-sol-majestic


    The Sol Majestic, do Filip Wiltgren, é um conto de ficção científica daqueles que te faz sentir num episódio de 'Love, Death & Robots', sendo espectador de um mundo distante tanto no espaço quanto no tempo. Quando o li pela primeira vez, senti como se Wiltgren tivesse me pegado pela mão e me guiado através do universo, apenas pra me mostrar uma breve cena, plantar na minha cabeça uma única pergunta, e depois me deixar lá, à deriva, pensando. Mas algumas perguntas realmente não precisam de respostas.

    Sobre o processo de tradução, preferi seguir um caminho um pouco mais conservador, vez ou outra fugindo dos termos correspondentes óbvios a fim de manter a grandeza — e aqui me refiro tanto à espacial quanto à grandeza filosófica — do texto. 

THE SOL MAJESTIC, by Filip Wiltgren. 
O MAJESTOSO SOL, de Filip Wiltgren; Tradução de Victor Ribeiro.


Crítica — Jogos Vorazes: A Cantiga dos Pássaros e das Serpentes por Victor R.

  Crítica — Jogos Vorazes: A Cantiga dos Pássaros e das Serpentes por Victor R. Jogos Vorazes: A Cantiga dos Pássaros e das Serpentes ,...