Crítica — Jogos Vorazes: A Cantiga dos Pássaros e das Serpentes por Victor R.
Jogos Vorazes: A Cantiga dos Pássaros e das Serpentes, o novo filme da franquia Jogos Vorazes, se debruça sobre a história do Presidente Coriolanus Snow, servindo como uma prequela da trilogia original. Aqui, Snow (interpretado pelo interessantíssimo Tom Blyth) é um jovem estudante que luta para sobreviver e manter as aparências na alta sociedade da Capital, que desconhece a complicada situação financeira dos Snow. A família, composta pela prima Tigris (vivida pela brilhante co-estrela de Euforia, Hunter Schafer) e a avó (a vencedora do Emmy, Fionnula Flanagan), depende exclusivamente das premiações de mérito estudantil do jovem Coriolanus, que vive sob a responsabilidade de recuperar a glória do Sobrenome Snow. Mas tudo muda quando o futuro da família passa a depender do sucesso da jovem Lucy Gray Bird (trazida à vida pela talentosa Rachel Zegler, que prova mais uma vez o motivo da sua popularidade em Hollywood), a artista que foi escolhida como a mais nova representante do Distrito 12 nos Jogos Vorazes e que terá como mentor o pródigo jovem Snow.
O longa se aproveita de conveniências para introduzir a história. No início, a excentricidade de Lucy Gray Bird parece forçada e os elementos principais da trama são dispostos de maneira mecânica, fazendo erguer uma das sobrancelhas da audiência mais perspicaz. No entanto, as expectativas inicialmente negativas entram em rota de colisão com o olhar inteligente do diretor Francis Lawrence, que faz aqui o seu melhor trabalho dentre todos os filmes da saga, conduzindo um longa cuja forma se mostra intrinsecamente conectada ao conteúdo. A ideia de dividir o longa em atos completa a transmissão da história, fazendo referência às transformações que o protagonista sofre ao longo da trama. A edição também é perspicaz, se aproveitando do contraste proposto pela dicotomia entre os principais elementos da trama.
Tais elogios não significam, é claro, que a série de coincidências não é incômoda; na realidade, o filme se diverte até demais preenchendo as lacunas propositalmente deixadas pela autora na trilogia original, buscando sempre conectar o máximo de pontos possíveis entre os eventos mostrados aqui com aqueles de lá. O objetivo de tal empresa é simples: atrair a maior parte do público dos filmes anteriores de volta aos cinemas para assistir à nova história, que deve, portanto, relembrá-los a todo momento que eles amam Katniss Everdeen, o Distrito 12 e a franquia como um todo. Perceba o leitor que isto acaba por ser uma distração, desviando o foco da audiência enquanto, ao mesmo tempo, reduz a autonomia da série original.
Entre os tantos acenos que A Cantiga dos Pássaros e das Serpentes faz à trilogia original, o maior acerto definitivamente se dá no uso da música "The Hanging Tree", um hit que não conheceu limites quando foi apresentado ao mundo no primeiro filme. Aqui, a dosagem da música não é nem tão pequena ao ponto de parecer uma decisão desconexa imposta pelos assessores, nem tão grande ao ponto de esvaziar a sua importância na trilogia original; pelo contrário, o uso cirúrgico conecta a canção definitivamente à história do Distrito 12, tornando-o ainda mais vivo. E pode ter certeza: a melodia vai grudar na sua cabeça exatamente como da primeira vez.
Mesmo que o termo "longa-metragem" seja particularmente apropriado aqui (2h38!), o ritmo é uma das maiores qualidades do filme. Muitos certamente dirão que a segunda metade é desnecessariamente prolongada, mas eu ouso discordar: nas novas configurações do cinema blockbuster, a atenção dada ao desenvolvimento do universo, para além da história específica a ser contada, é um fundamento sagrado e, aqui, esta corda não é demasiadamente esticada ao ponto de causar desconforto, e acaba inclusive ajudando a dar cor à imagem do fictício Estado-nação de Panem.
O conflito ideológico entre os dois mundos aqui presentes (Capital e Distritos) busca propor uma reflexão sobre a própria natureza humana, mostrando que há entre eles mais semelhanças do que se espera. No entanto, nunca é dada a devida atenção ao tema, criando uma discussão superficial e estética que não deixa clara a proposição moral do longa. Esta é uma característica herdada da primeira trilogia, onde os rebeldes são representados como a continuidade do regime imposto pela capital. Para que se compreenda plenamente o que estou querendo dizer, faça a si mesmo a seguinte pergunta quando os créditos começarem a subir: afinal de contas, de onde surge a maldade?